quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Sete Minutos Depois da Meia Noite - SONHOS: UMA POSSIBILIDADE DE DIÁLOGO COM A ALMA

Contém Spoilers do Filme  - Sete Minutos Depois da Meia-Noite
Alda Ribeiro1






"Cada sonho é um drama curto." Jung (2014, p.239)
Resumo: Este artigo discute, por meio de análise fílmica, a importância dos sonhos no contexto analítico como possibilidade de intervenção. Ademais, aponta o quanto este é significativo como possibilidade da expressão da alma, por suscitar questões relacionadas aos arquétipos ou ao próprio indivíduo. E por fim, ressalta que esse pode ser um caminho para o reconhecimento de aspectos que estão no inconsciente e são desconhecidos ou rejeitados pelos pacientes no contexto clínico.


INTRODUÇÃO

Estudar Jung tem sido um caminho com momentos significativos de aprendizado em minha vida pessoal e profissional. Sua teoria oferece, de forma ímpar, segurança para atuarmos na clínica e nas demais áreas do campo da psicologia com profundidade a respeito do humano. À medida que a teoria vai se sedimentando, sentimo-nos permitidos e estimulados a usar nosso potencial criativo diante do outro. Nesse potencial criativo estão contidos o conhecimento do analista, suas experiências profissionais, a sensibilidade e a capacidade de fazer conexão com o que é trazido pelo paciente, seja por meio do discurso, seja por imagens vindas do sonho, do desenho ou qualquer outra forma imagética. Sendo assim, o profissional tem a oportunidade de utilizar caminhos interventivos tais como o discurso, contos de fadas, mitos, ou outras técnicas como a imaginação ativa e a Arteterapia.
O uso desse potencial criativo contribui de forma positiva em relação ao paciente em seu processo analítico. Nos últimos anos tenho buscado conhecimento a respeito da psicologia analítica, também conhecida como psicologia profunda, teoria essa fundamentada por CarlGustav Jung, o qual se debruçou por quase toda sua existência pela busca do conhecimento sobre o homem. Neste vasto contexto teórico que Jung nos apresenta estão inseridos os arquétipos e os sonhos. Nos meus estudos e leituras tenho percebido que os sonhos têm uma forma poética de expressar a alma, o que torna favorável a aproximação de nós mesmos. A literatura produzida por Jung tem demonstrado que, se tratando de sonho, é constatado que o campo analítico é uma poderosa ferramenta para intervenções e, também é promovedora de mudanças e ampliação da consciência.
Neste artigo, pretendo destacar alguns aspectos teórico e vivencial, seja na clínica e até mesmo nas experiências pessoais, sobre o tema "sonhos" à luz da teoria Junguiana. Alguns desses aspectos estão registrados nos encontros de Jung com outros pensadores, que ocorreram entre 1928-1930, momentos os quais foram de trocas de experiências entre profissionais que se empenharam em aprimorar o conhecimento sobre os símbolos e a refinar a escuta dos conteúdos trazidos por meio dos sonhos. Esses momentos foram consolidados no livro "Seminário sobre a análise dos sonhos".
É notório perceber que os sonhos, no que se refere à análise, nos auxiliam a dar passos em direção a desvelar os mistérios que encobrem a alma. Hillman (2010) descreve que a alma é “[...] antes de mais nada, uma perspectiva em vez de uma substância, uma perspectiva sobre as coisas em vez de uma coisa em si" (p.27). Vale considerar que neste texto será utilizado a expressão psique como sinônimo de alma, que segundo Jung tem o mesmo significado.
Há várias passagens apontadas por Jung que validam o interesse em abordar este assunto: uma delas é quando ele afirmou que "Só aquilo que somos realmente tem o poder de nos curar" (Jung 2002, p.43). Tal expressão tem reverberado em mim à medida que o desconhecido temido e as travessias feitas constantemente surgem para realizar descobertas sobre nós mesmos. Essa passagem pode ser o convite para reflexões a respeito do sofrimento que por vezes nos assola, nos instigando a buscar respostas ao seguinte questionamento: como seguir o caminho que de fato evidencia ser aquilo o que realmente somos? Como lidar com os nossos próprios conteúdos? Além disso, intensifica meu sentimento de fascínio por essa abordagem, que tem sido como a chama de uma vela a me guiar rumo às descobertas a respeito da alma, como ela se expressa e dialoga conosco, uma busca pelo sentido da vida.

A psicologia profunda vai além do conhecimento teórico-racional e apresenta-nos a possibilidade de conhecer o humano com o propósito de resgatar a alma a si mesma.
Lembramos que a alma deseja o tempo todo se expressar de diversas formas, seja na arte, na literatura, nas relações interpessoais, nas reflexões, no campo profissional e em tudo mais que é possível usar o potencial criativo. À medida que a alma se expressa, há uma tentativa de diálogo conosco, e quando damos espaço a esse diálogo, o afeto vai ganhando espaço e força no lugar ao que antes era sofrimento, ou, daquilo que era sentido e vivenciado como patológico. A psicologia analítica proporciona o reencontro com a alma que por vezes se perdeu em meio às dores e sofrimentos existenciais, às relações pautadas na violência ou às perdas afetivas. Quantos de nós já não se sentiu tocado com uma poesia, música, dança e então ficamos imersos em nossos devaneios? Quantos de nós já não se sentiu esvaziado e, ao mesmo tempo denso, ou se deparou com um paciente nessa condição? Sentimo-nos tocados pelo criativo que advém da criatividade e, ao mesmo tempo, tocado por nossas dores e, por vezes, nos compadecemos com a dor do outro. Os sonhos nascem no inconsciente e é uma forma profunda e criativa de a alma se expressar, que é de dentro para fora. Eles, os sonhos, desconstroem uma lógica conhecida pelo nosso mundo racional.
Pretendemos enriquecer nossa discussão do tema, sonhos, a partir da sétima arte, a qual nos convida a experimentar outra forma criativa de compreender o humano e suas relações consigo e com o mundo. Trata-se de uma breve análise fílmica do longa-metragem intitulado "Sete minutos depois da meia-noite". Esse, por sua vez, apresenta de forma poética, questões da alma diante de intenso sofrimento emocional em que a personagem principal Conor O`Malley lida com suas questões e conflitos.

O FILME


Sete Minutos Depois da Meia-noite”, originalmente intitulado “A Monster Calls” é estrelado por Sigourney Weaver (avó), Felicity Jones (mãe), Tobby Kibbell (pai). Como protagonista o ator Lews MacDougall (Conor O`Malley). Trata de um drama produzido em 2016, de nacionalidades: Estados Unidos, Canadá, Espanha e Grã-Bretanha; dirigido por Juan Antonio Bayona e escrito por Patrick Ness. No Brasil parece não ter sido um filme aclamado pelo público, todavia, percebemos que seu conteúdo se mostra rico em imagens e com um teor profundo e carregado de afeto.
O filme conta a estória do menino Conor O`Malley, 12 anos de idade. Esse jovem tem uma vida permeada por vários aspectos: a ausência da figura paterna, a hostilidade na relação
com os colegas de escola e os conflitos com a avó materna que é uma pessoa distante afetivamente.
Contudo, há um fato que a vida lhe proporcionou, sendo este o motivador da análise deste artigo: o protagonista foi golpeado com a doença da mãe a qual foi acometida pelo câncer em estágio terminal. Dessa forma, a estória ilustra a relação dele com a figura materna, e principalmente, como ele lida com aspectos desconhecidos de sua psique a partir dessa dura experiência. Conor, em meio a todo esse sofrimento, e como alternativa para dar conta desta fase, durante a aula, em um de seus devaneios, faz desenhos de monstros e começa a ter sonhos intensos e recorrentes, sendo o primeiro com a mãe que está prestes a cair em um precipício e o segundo com uma árvore gigante que conta histórias para ele. Ambos, ele e a árvore, estabelecem diálogos noites adentro. Nos dois sonhos recorrentes ele acorda às 00h07. Nesse sentido, essa trama nos inspira a abordar, além dos sonhos, questões relacionadas ao arquétipo materno, temática também muito comentada no universo junguiano.

A DISCUSSÃO
A partir dessas informações relativas ao filme, já podemos fazer a analogia com o que acontece em nossa vida pessoal e no consultório. Esse diálogo que a alma estabelece conosco por meio dos sonhos nos leva a perceber que a psique, em sua natureza, é sábia ao nos amparar, e ao reconhecermos esse amparo temos a possibilidade de compreender e integrar as mensagens que ela nos traz, fazendo nos sentir fortalecidos.
Apesar desse filme apresentar uma certa riqueza de imagens e detalhes - os quais serão descritos no decorrer deste texto- e abrir muitas possibilidades para discussão, pretendemos nos ater a um eixo: os conteúdos dos sonhos de Conor. Neste eixo estão contidas questões arquetípicas, como a relação com sua mãe e consigo.

Os arquétipos são elementos presentes no inconsciente coletivo que, por sua vez “repousam em uma camada mais profunda que não tem origem em experiências pessoais, sendo inata" (Jung 2014, p.12). Pieri (2002) afirma que "arquétipos são imagens universais presentes desde os tempos remotos na psique humana de um inconsciente coletivo que seria seu depositário" (p.44). Jung (2014) aponta, ainda, que o ser humano na medida em que não constitui uma exceção entre as criaturas, possui, como todo animal, uma psique pré-formada
de acordo com sua espécie, a qual revela também traços nítidos de antecedentes familiares, conforme mostra a observação, porém, ele ainda afirma que os arquétipos são determinados quanto à forma e não quanto ao conteúdo (p.86). Jung (2014) vai dizer:
"Já que não podemos negar os arquétipos ou torná-los inócuos de algum modo, cada nova etapa conquistada na diferenciação cultural da consciência confronta-se com a tarefa de encontrar uma nova interpretação correspondente a essa etapa, a fim de conectar a vida do passado, ainda existente em nós com a vida do presente, se este ameaçar furtar-se àquele. [...] aparecem como manifestações involuntárias de processos inconscientes, cuja existência e sentido só pode ser inferido" (2014, p. 159).
Sendo assim, é possível pensar que a manifestação arquetípica pode funcionar como uma mola propulsora para a percepção de alguma questão importante de si mesmo. Partindo do ponto em que percebemos algum aspecto sobre nós mesmos, aspectos estes que nos trazem desgaste emocional, temos a possibilidade de mudança de caminho.

SOBRE O ARQUÉTIPO MATERNO 


Jung (2016) explana a respeito do arquétipo materno. Ele assegura que existe uma infinidade de aspectos, e apesar da diversidade descrita pelo mesmo, neste texto vou me restringir àquelas que aparecem no filme: a mãe, a avó, a madrasta e a sogra; e em sentido amplo, a Igreja, a Árvore e a Terra. Há, também, diversos símbolos nefastos trazidos por Jung e aqui vou me ater ao túmulo, à morte, ao pesadelo e ao pavor infantil. Todas indicam traços essenciais do arquétipo materno. (p.87). Nesta mesma obra, Jung aponta que o arquétipo materno tem uma peculiaridade: "o maternal", aquele que cuida.
Com esses apontamentos, percebo a importância desse arquétipo, aquele que cuida oferece continência e proporciona condições para o crescimento. Jung (2016) aponta que a figura da mãe pode ser universal, contudo, a imagem muda completamente na esfera particular. Nos sonhos de Conor, há a continência na medida em que aparece uma figura que diz saber sobre ele, que no caso é a árvore, e indica o caminho para que ele reconheça, cuide e encontre uma saída para aliviar sua dor. Jung (2016) aponta que:
não é apenas da mãe pessoal que provêm todas as influências sobre a psique infantil descritas na literatura, mas é muito mais o arquétipo projetado na mãe que
outorga à mesma um caráter mitológico e com isso lhe confere autoridade e até mesmo numinosidade." (2016, p. 89)
Ao retomarmos a discussão e os aspectos do filme, percebemos que em meio ao silencioso sofrimento, O`Malley acompanha a decrepitude do corpo de sua mãe e intimamente percebe que em breve ela partirá sem qualquer possibilidade de reversão do curso da vida. Um jovem isolado do mundo social, com o distanciamento da figura paterna e da avó materna, não possui espaço de afeto para compartilhar sua dor. Ele sabe que com a morte de sua única fonte, referência de afeto, terá que lidar com a mudança na dinâmica de sua vida que é morar com sua rude avó materna.
O desdobramento do filme nos lembra que a psique busca incessantemente uma forma de se comunicar. A alma de Conor apresenta duas formas de encontrar caminhos para dar conta desse conflito. A primeira é por meio dos desenhos e a outra é por meio dos sonhos. A personagem experimenta sucessivos episódios de sonhos, que apontam alternativas para lidar com essa perda. Essas alternativas nos levam a entender, que pode ser o que Jung traz a respeito das influências que transcendem à mãe pessoal, que são os aspectos arquetípicos e do caráter numinoso2. A mãe pessoal vai embora e o que permanecerá são os registros dessa vivência e a experiência com o numinoso.



OS SONHOS COMO CAMINHO PARA DIALOGAR COM A ALMA



A respeito dos sonhos Pieri (2002) vai trazer que "o sonho é a ação da imaginação durante o sono" (p. 478) e que a psique consciente e o sonho (e, portanto, o inconsciente) estão entre si em uma relação do tipo compensatório." (p. 478) De certa maneira, a personagem encontra uma forma compensatória para aliviar sua dor. Jung (2014) diz que a psique atua para nos lembrar que somos, pois, o inconsciente teme ser esquecido (p. 41). Nesta mesma obra, ele aponta que "os sonhos de crianças estão entre os fenômenos mais interessantes da Psicologia Analítica por se conectarem com as figuras parentais. (p. 41). Os sonhos do protagonista apresentam essa conexão na medida em que tem sonhos recorrentes com a mãe.
O que de fato contam os sonhos da personagem? Aparecem dois tipos de sonhos distintos como fatos marcantes: o primeiro é ele tentando segurar a mãe para que ela não caia
em um precipício no momento em que o chão se abre. Após isso acorda sempre no mesmo horário, 00h07, como que em um sobressalto de um pesadelo. Já o outro sonho com conteúdo recorrente é de uma árvore gigante a qual estabelece uma comunicação com ele.
Jung (2014) aponta para uma importante questão a respeito das figuras que aparecem no mundo onírico ao mencionar que há princípios subjetivos e objetivos. Quando o sonho está no nível subjetivo, se refere única e exclusivamente ao próprio sujeito, e no nível objetivo se refere ao objeto, ou seja, outra pessoa. Nesse sentido Jung menciona que quando no sonho aparece alguém do seu convívio íntimo da atualidade, certamente os conteúdos referem-se àquela pessoa. Para as situações em que há um contato distante ou desconhecido, é bem provável que sejam conteúdos do próprio sujeito (p. 50).
Podemos, então, fazer a analogia com o que acontece em nossa vida pessoal e no consultório. Esse diálogo que a alma estabelece conosco por meio dos sonhos nos leva a perceber que a psique, em sua natureza, é sábia ao nos amparar. Ao reconhecermos esse amparo temos a possibilidade de compreender e integrar as mensagens que ela nos traz, sentimo-nos fortalecidos. Figuras desconhecidas ou não, temos a possibilidade de estarmos próximos de nós mesmos e auxiliarmos os pacientes no conhecimento de si mesmo em camadas mais profundas.
De certa forma, podemos afirmar que esses sonhos de Conor com a mãe diz respeito ao seu momento que é a iminência de uma perda. Ele deseja segurar a mãe, mas a psique lembra que isso não está a seu alcance. Esse lembrete vem por meio das imagens oníricas quando ele tenta segurar a mãe para que não caia em meio ao chão que se abre como um precipício. O sonho foi um caminho encontrado por sua psique para entrar em contato com a sua realidade e prepará-lo para o processo ainda mais doloroso que estava por vir que era a morte de sua mãe.
Em relação à atuação na clínica, os sonhos trazidos pelos pacientes, muitos deles, norteiam as intervenções e apontam a direção que o paciente está caminhando e, por sua vez precisamos seguir como profissionais. Jung (2014) afirma que os sonhos são fatos objetivos e é importante que busquemos as evidências das questões trazidas pelos pacientes por meio dos sonhos. Caso contrário podemos esbarrar em julgamentos nossos ou opiniões equivocadas (p. 27).
O pensamento apontado pela psicologia analítica quanto ao mundo inconsciente, nos faz refletir que os sonhos são uma maneira encontrada pela psique de nos apontar, também, para onde estamos, o momento presente e o que está por vir. Em relação aos fatos premonitórios ou pré-cognitivos, apesar de só termos certeza quando os fatos vêm à tona,
podemos refletir que é uma forma de nos preparar e nos fortalecer antes da concretização. É possível constatar isso na experiência de consultório na medida em que os pacientes revelam suas experiências com os sonhos premonitórios os quais só são confirmados quando há a concretização.
A outra sequência de sonho recorrente do protagonista foi igualmente significativa: da árvore gigante, uma árvore-monstro. Curiosamente essa figura aparecia em seus desenhos e se assemelhava à uma antiga árvore que ficava em um campo nos fundos da casa de O'Malley. Ao lado dessa árvore, que denotava ser antiga, grande e com frondosa copa, havia um cemitério e uma igreja. Todas essas figuras já mencionadas anteriormente, segundo a psicologia analítica, são representantes do arquétipo materno. A árvore-monstro que aparece no mundo onírico de Conor conta 3(três) histórias e determina que o sonhador é quem contará a quarta história. Esse "monstro" diz ser uma estória, que é a verdade, a qual o próprio sonhador esconde.
Os sonhos de nossos pacientes contam histórias que o inconsciente traz, uma forma poética e criativa. Nessas histórias o paciente reconhece e aceita a sabedoria de sua psique, sente-se fortalecido e amparado. Dessa forma caminha com atentos passos rumo à integração de aspectos pessoais desconhecidos ou rejeitados por eles e isso pode acontecer a qualquer tempo. Com isso, o paciente em processo analítico percebe a importância dos seus sonhos e o quanto eles os encorajam à autoaceitação e os auxiliam no autoconhecimento e, principalmente o amor por suas próprias almas. A respeito disso Jung (2016) afirma que:
"Quem caminha em direção a si mesmo corre o risco do encontro consigo mesmo. O espelho não lisonjeia, mostrando fielmente o que quer que nele se olhe; ou seja, aquela face que nunca mostramos ao mundo, porque a encobrimos com a persona, a máscara do ator. Mas o espelho está por detrás da máscara e mostra a face verdadeira." (p. 29)
A citação acima indica que embora tentemos por vezes evitar, experimentamos durante nossa existência o desafio de observarmos e sentirmos o que há por detrás desse espelho e, por consequência os pacientes também. A partir deste ponto é perceptível verificar como o sonho nos possibilita esse olhar. De acordo com Jung (2007), "O autoconhecimento de cada indivíduo, a volta do ser humano às suas origens, ao seu próprio ser e à sua verdade individual e social, eis o começo da cura da cegueira que domina o mundo de hoje” (Prefácio).
Nesse diálogo com a psique e o enxergar dessa outra face trazem outro desafio: o que fazer com o que percebemos em nossos pacientes? Como auxiliá-los a atuar nessas percepções? Em outra passagem Jung (2014) apresenta que "Um sonho nunca diz o que se deve fazer. [...] A natureza nunca sugere. Você deve conhecer os detalhes da condição consciente para poder interpretar o sonho, pois o sonho é construído de tudo o que não vivemos ou não tornamos conscientes” (p. 209). Dessa forma ao chegar nas imagens oníricas da consciência e quando levadas à análise, o analista tem a possibilidade de realizar as intervenções importantes para aquele momento sempre atento aos limites e fronteiras do paciente.
Na quarta história, a árvore-monstro indica que o jovem conte a verdade que ele tenta esconder de si. Qual é a verdade de Conor? A verdade é que ele não aceita a partida da mãe. Ao mesmo tempo ele reconhece desejar que isso tudo acabe. E isso só acabará com a morte da sua única referência de afeto. No diálogo com sua psique, por meio dos sonhos, ele enxerga a dualidade: o desejo pelo fim do sofrimento, nem que isso lhe custe a morte de sua mãe. Ao assumir isso para ele mesmo e para sua mãe, liberta-se do conflito em relação à dualidade mencionada anteriormente. Concomitante a isso acontece o desenlace da mãe, às 00h07. Lembramos que meia-noite é o que separa o dia da noite, a passagem, a travessia e podemos relacionar com a morte, o recomeço, a renovação do dia. Na esfera da psicologia analítica, quais os demais sentidos da árvore além do arquétipo materno? Pensamos que a árvore pode representar a figura da grande mãe e, também, a história de uma família. Sobre família Jung (2014) vai dizer:
"[...] algumas pessoas podem seguir fazendo bobagens pela vida na forma mais surpreendente e aparentemente nada acontece a elas. Mas alguma acontece, em algum lugar, com a família, talvez; sem dúvida seus filhos sofrem e têm de pagar o prejuízo. Isso se liga ao fato de que a vida humana não é nada em si mesma; é parte de uma árvore familiar." (p. 311)
Ao mesmo tempo em que os filhos custeiam as dívidas de seus ancestrais, ao ser um galho de uma árvore, experimentam a chance de reconhecer que não estão sós, que carregam todas as histórias dos seus antepassados. Podemos dizer que Conor representa um galho de uma árvore, e isso confere a ele a sensação de pertencimento por fazer parte daquela família. Conor ao final do filme, após a partida de sua mãe, percebe que não está sozinho e toma consciência do quão significativa é a conexão com sua mãe. Essa reflexão acontece no momento em que recebe um livro de desenhos em aquarela cuja autora é sua mãe, e desconhecido por ele até então. As imagens contidas no caderno são semelhantes às imagens dos sonhos e neste momento reconhece a conexão com sua mãe.
Ainda com relação aos sonhos trazidos pelos pacientes, é fundamental a atenção do psicólogo à sequência desses. Isso faz significativa diferença no curso da análise. Jung (2007) nos revela que precisamos ficar atentos quando um paciente traz sonhos com temática recorrentemente. Segundo ele, “isso aponta que falhamos na análise e que esta pode estar incompleta [...] assim como a interpretação certa é recompensada pela renovação da vitalidade, a errada é condenada pela detenção da resistência, pela dúvida e, principalmente pela obstrução de ambos os lados" (p. 102).
Em relação ao filme, Conor, não fazia análise, no entanto, a estória ilustra que ele mesmo conseguiu lidar com seus conteúdos por meio do diálogo com sua alma. Os sonhos da personagem tinham uma função: o de compensar aquilo que não damos conta durante o dia. Jung (2016) vai dizer que "os arquétipos aparecem nos mitos e contos de fadas, bem como no sonho” (p.154) e que "a psique é um sistema de autorregularão"(Jung, 2007, p.53).
Essa vivência da personagem com seus sonhos, e por vezes fantasias, nos faz lembrar que para a psicologia analítica as definições dos termos, por ela utilizados, têm seu lugar e seu valor. Contudo, é na experiência pessoal que enxergamos e experimentamos o real sentido. No que se refere à questão da alma percebemos que a reduziríamos com definições de seu significado. Torna-se intenso à medida que falamos sobre ela e a cultivamos. A respeito disso, Hillman explana que:
"Engendrar alma requer sonhar, fantasiar e imaginar. Viver psicologicamente significa imaginar; estar em conexão com a alma é viver em conexão sensorial com a fantasia. Estar na alma é experimentar a fantasia em todas as realidades e a realidade essencial da fantasia." (2010, p.81)
Essas questões nos fazem refletir que os sonhos revelam o movimento da psique e, ao analisar a sequência dos sonhos de um paciente, como psicólogos, nos é permitido fazer ajustes de supostas percepções nossas a respeito da dinâmica psíquica do analisando e, ainda, do próprio paciente para consigo. Avaliamos que os ajustes não significam necessariamente erros cometidos, mas sim percepções que analista e analisando não estavam no momento de enxergar, absorver.
Os sonhos dos pacientes, bem como as imagens neles contidas vão confirmando ou refutando as hipóteses levantadas durante o processo analítico: "Os sonhos são mensagens enviadas do inconsciente para mostrar o que realmente está acontecendo lá" (Jung, 2014, p. 223). Em outro momento nos salienta Jung (2014): "A natureza nunca é diplomática. Se a natureza produz uma árvore, é porque quis fazer uma árvore" (p. 51). Dessa forma, somos capazes de reafirmar que a psique é sábia em sua natureza e tem seus desejos e propósitos. Nós, a depender da nossa dinâmica pessoal, nos afastamos ou nos aproximamos daquilo que a natureza psíquica quer nos comunicar. Com o passar do tempo, à medida que integramos a aspectos desconhecidos, vamos nos tornando capazes de compreender a linguagem dos sinais da natureza dos sonhos e, por sua vez a linguagem da alma.
A respeito disso Jung (2014) aponta que "se você se livra de qualidades que não aprecia negando-as, você se torna cada vez mais inconsciente do que você é, você se declara cada vez mais inexistente, e seus demônios engordam cada vez mais" (2014, p. 71). Em relação ao protagonista, uma hipótese é que ele tivesse medo de reconhecer seus próprios sentimentos e percepções. Esta reflexão oportuniza relacionar com a experiência em consultório que por vezes trata de um momento no qual o paciente chega desvitalizado, sem alma, pois a alma nos abandona quando é dado mais importância ao mundo exterior, seja pessoas ou fatos, e isso promove a desconexão com sua psique. O discurso do paciente a respeito de sua dinâmica relacional com o mundo social e familiar, aliado às questões suscitadas pelo inconsciente, auxiliam na nossa compreensão que aparece nos sonhos e o que a alma do analisando quer comunicar.

CONCLUSÃO
Trailer


Em relação aos sonhos, percebemos que é comum acontecer no contexto clínico, o paciente trazer sonhos com a mesma temática em sessões seguidas. Cabe a nós profissionais estarmos atentos às mensagens que vêm do inconsciente desse paciente e nos portarmos como instrumento facilitador da compreensão da linguagem da alma expressa por meio do contexto onírico. Constatamos que o filme ilustra o que acontece conosco e com nossos pacientes quando os "demônios param de engordar". A escuta atenta às mensagens da alma oferece espaço à coragem e ao amor próprio. Este por sua vez ocupa o lugar do medo de olhar para si mesmo. O` Malley revela a transformação que acontece no momento em que se mostra atento às mensagens vindas do inconsciente, momento em que ele revela a si mesmo e à mãe que teme pela sua morte. Quando escutamos nossa alma, nos movimentamos em direção a nós mesmos e começamos a reconhecer e compreender aspectos da nossa psique. Com isso temos
a possibilidade de mudança na forma de olhar para dentro de nós mesmos e assim mudarmos nossa postura na relação com o mundo.
Ainda com relação ao filme, percebemos que o mesmo conseguiu encampar diversos aspectos discutidos no mundo da psicologia analítica. Na narrativa, há predomínio da dinâmica psíquica nos sonhos que tinha como foco a relação de O`Malley consigo mesmo e com a mãe. Além disso, essa trama ilustra por meio de imagens e diálogos o que é frequentemente comentado pelos analistas, que é a beleza que tem a alma e o quanto ela é sábia e nos ensina a irmos ao encontro de nós mesmos. A experiência de dialogarmos com nossa alma não necessariamente muda um fato gerador de sofrimento, mas certamente quando reconhecemos aspectos nossos e os aceitamos, temos a possibilidade de lidarmos de forma diferente conosco, ainda que se trate de uma marcante experiência.
Com isso percebemos que nada está fora do lugar e nada ocorre sem propósito, assim como o sofrimento. O desafio está em perceber a delicadeza da alma. "A consciência é como um farol que percorre o campo; somente os pontos que são iluminados se tornam conscientes." (Jung, 2014, p.68). Podemos aproveitar esses momentos de luminosidade como fortalecimento para enfrentarmos os tempos de obscuridade e os sonhos estão para nos guiar nessa caminhada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUNG,C. G. (2002). O Eu e o Inconsciente Coletivo. O.C. 7/2. Petrópolis: Vozes. __________(2007). A Psicologia do Inconsciente. O.C. 7/1. Petrópolis: Vozes. __________(2014). Seminários sobre Análise de Sonhos. Notas do seminário dado em 1928- 1930 por C.G. Jung. Petrópolis: Vozes.
_________(2016). Os Arquétipos e o Inconsciente Coletivo. O.C. Petrópolis: Vozes. HILLMAN, J.(2010). Re-Vendo a Psicologia. Petrópolis: Vozes.
PIERI, P. F.(2002).
Dicionário Junguiano. Petrópolis. Vozes.
1 Alda Ribeiro é psicóloga clínica, com especialização em psicologia analítica pelo Instituto Junguiano de Brasília e candidata a analista junguiana pelo Instituto Junguiano de Brasília filiado à Associação Junguiana do Brasil - AJB e da Association for Analytical Psichology - IAAP.

2 Numinoso - está na experiência do sagrado e, portanto, a constituição de um mysterium tremendum que inspira veneração e temor. (Pieri, 2002, p. 347)

Um comentário:

  1. Obrigado pelo analise é muito bom. Esta é uma história extraordinária, por isso quando soube que estrearia 7 Minutos Depois da Meia Noite filme soube que devia vê-la. Parece surpreendente que esta história tenha sido real, considero que outro fator que fez deste um grande filme foi a atuação do Lewis MacDougall, seu talento é impressionante.

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