sexta-feira, 2 de junho de 2017

A Cura na Psicoterapia Junguiana.



A Cura na Psicoterapia Junguiana
 




Por Berenice Luconi

Não podemos falar de cura em psicoterapia junguiana, sem deixar claro que Jung jamais propôs um modelo fechado de tratamento ou uma técnica em si, mas acreditou desde sempre, que a psicoterapia e as análises são tão diversas, quanto são os indivíduos. O que é cura para um pode ser o veneno para o outro, para cada caso uma psicoterapia. Para Jung, só importa o método e que o terapeuta tenha confiança, pois não se trata de confirmar uma teoria, mas de ajudar o indivíduo a sentir-se melhor. Mas, como podemos então pensar na cura em psicoterapia frente a tamanha diversidade? Proponho a análise de alguns parâmetros e conceitos como fio condutor desta reflexão.
Primeiramente, é importante um retrospecto ao início do século passado, quando Jung ainda muito jovem e cheio de dúvidas sobre o rumo que daria à sua vida profissional, abre um manual de psiquiatria de Krafft-Ebing, e é tomado de intensa emoção ao ler que as “psicoses são doenças da personalidade”. Decide-se neste momento tornar-se psiquiatra. Ele é “chamado” pela personalidade do indivíduo em detrimento à sua doença. Encontra na psiquiatria, o campo empírico que sempre procurara, ou seja, a possibilidade de unir fatos biológicos e psíquicos no tratamento dos doentes. Este é o início de sua psicologia que desenvolveu ao longo de 60 anos.
Trabalhando com esquizofrênicos, no hospital de Burghölzli, Jung venceu preconceitos de muitos colegas, por não abrir mão de “escutar” os pacientes. Jung via a esquizofrenia como um drama humano o que não correspondia à orientação puramente somática da época. Sua compreensão ia para além dos fatores biológicos e entendia as ideias psicóticas como uma tentativa individual de criar uma nova visão de mundo. O contato e a escuta aos doentes fez com que percebesse que “uma pessoa normal” está escondida no seu íntimo, onde encontram-se os dramas de uma vida, seus sonhos e desejos.
Desta maneira, podemos dizer que, desde os primórdios da psicologia, Jung priorizou a personalidade, a vida humana e a visão de mundo em lugar dos sintomas e da patologia, e isto marca sobremaneira a sua postura frente ao ser humano e ao conceito de cura em psicoterapia. Ele percebe que não era exatamente o sintoma que deveria ser combatido ou tratado, mas aquela “determinada pessoa” que carregava o sintoma, não se fixando na doença mas no doente, na personalidade que possivelmente perdera a sua integridade. 


Portanto, escutar o doente, perceber a existência de um ser humano normal em seu íntimo, entender o delírio ou o sintoma como uma tentativa da psique comunicar algo vital à integridade da personalidade; perceber que é a personalidade que tem que ser tratada e não a sua doença, são os novos paradigmas de psicoterapiahttps://pt.wikipedia.org/wiki/Psicoterapia e de cura propostos por Jung, ainda em seus tempos de psiquiatria.
No período em que pertenceu ao movimento psicanalítico, Jung, também se diferenciou dos seus contemporâneos, inclusive de Freud, com quem viveu um período de franco intercâmbio e colaboração, por aproximadamente 10 anos. 

Sentado a esquerda Freud, sentado a direita Jung

Enquanto Freud atribui importância primordial à etiologia do caso sugerindo que a cura da neurose se dá, assim que as suas causas se tornam conscientes, Jung acreditou que a cura se dá através da mudança da atitude consciente do paciente. Entendeu, na época, que muitas vezes a neurose consiste no fato de se estar preso ao passado, remoendo recordações, cheio de auto piedade, e de querer justificar tudo que acontece hoje, pelas experiências do passado, no que lhe fizeram.
Qualquer conflito psíquico - defende Jung - depende muito mais da atitude pessoal do paciente do que da história da sua infância. O paciente precisa/deve se libertar das influências sofridas em sua infância ou juventude, para seguir a sua própria história e só vai consegui-lo, se tomar a atitude adequada. A adequação à vida através de uma atitude consciente da pessoa, portanto, é fator crucial no processo de cura para Jung. 



Após o rompimento com Freud em 1913, e longo período de descida ao inconsciente, Jung retorna trazendo ao mundo a Psicologia Analítica e apresentando a sua própria atitude científica, que já o acompanhara desde sempre mas, muitas vezes, estivera oculta em nome da amizade e respeito a Freud. Jung recupera o próprio julgamento e capacidade crítica e tudo que quer saber é da psicologia das pessoas e não somente de seus diagnósticos, os quais levam a uma orientação importante, mas não necessariamente auxiliam o paciente.
Neste período, ele traz uma grande contribuição à compreensão da cura na Psicologia Analítica ao observar que as realidades psíquicas se alteram enormemente ao longo da vida, chegando a propor que se pense em duas psicologias, uma do amanhecer e outra do entardecer da vida. Na primeira metade da vida, o jovem encontra-se num movimento de expansão, de realização, precisa atingir metas, cumprir objetivos, realizar conquistas e adaptar-se ao mundo externo. O jovem adoece quando o fluxo natural da vida é obstruído pela hesitação, pela permanência inadequada numa atitude infantil e pelo recuo diante do rumo a seguir. A vida da pessoa ao envelhecer, ao contrário, está em movimento de contração, de diminuição da expansão e a pessoa adoece por querer persistir numa atitude juvenil ou pela falta de sentido e conteúdo de sua vida.
Por isto a idade do paciente é extremamente importante nos objetivos da terapia.
Enquanto a cura do jovem se dirige à adaptação ao mundo externo e seus desafios ajudando-o no seu amadurecimento, a cura no entardecer da vida (período ao qual Jung dedicou dois terços de sua atenção) dirige o indivíduo para dentro de si mesmo, para o seu mundo interno onde encontrará (ou não) a experiência de seu próprio ser para entender o sentido de sua vida. 

Casa de Jung em Zurich

Contudo, é na “Transformação” que Jung centra o seu conceito nuclear de cura. Para ele, curar significa tornar sadio um doente, cura significa “transformação” e sempre que possível, o paciente poderá se transformar na psicoterapia. Em sua prática, no entanto, notou que por diversas razões, muitas pessoas resistem fortemente ao processo de transformação e nestes casos o terapeuta precisa deixar aberto o caminho individual da cura.
Algumas pessoas não se disponibilizam ao sacrifício de se tornarem conscientes de suas verdades (ocultas até de si mesmos), outras são cultas e inteligentes demais para se submeter à transformação, outras ainda, dispõem de uma fragilidade emocional que as impede de fazer este caminho por colocar em risco a integridade da personalidade. É o caso, das psicoses latentes que podem vir à tona se “cutucadas”, casos que requerem enorme cuidado e comprometimento ético do terapeuta. Em qualquer das hipóteses, a decisão do caminho a percorrer é do indivíduo, e a avaliação das condições emocionais do paciente é do terapeuta/analista. Para alguns o tratamento não vai além de camadas bem superficiais da personalidade e isto não significa que não tenha cumprido com seu propósito.

No entanto a cura por transformação leva à instâncias bem mais profundas da psique e ao conceito de Individuação de Jung, que significa o processo de desenvolvimento psicológico no qual o indivíduo se torna aquilo que ele realmente é. Não é um empreendimento fácil e nunca é realizado completamente, e a “entrega” para esta obra de transformação, como já foi mencionado, é uma “opção” ao alcance de todos, mas realizada somente por aqueles que se dispuserem ao processo.
Daí pensar-se que a conclusão bem sucedida de uma análise junguiana, passa pelo processo de “Cura por Transformação da Personalidade”, processo este, que devolve o indivíduo ao mundo como pessoa mais íntegra, atenta ao caminho de individuação, fiel à orientação do seu mundo interno, mais próxima e aberta aos outros e à vida. Em suma, a cura se dá quando o indivíduo declara sentir-se em paz consigo mesmo.


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