sexta-feira, 30 de março de 2018

Sobre mameys e a consciência

Quando caminhava pelo Templo Mayor, na realidade sobre suas ruínas, de longe via a Catedral da Cidade do México, suntuosa. De perto, a voz embargada e emocionada do guia, que nos explicava o processo de construção da Catedral. Dizia que os indígenas (Mexicas) de então tinham sido obrigados a destruir seus templos e, com as pedras resultantes, erigir um outro. E seguiu, perguntando, com a força e a intensidade de uma Chavela Vargas, se alguém ali presente podia imaginar como aqueles indígenas se sentiam sendo obrigadas a destruir algo que lhe era de muito valor em nome de um outro algo que sequer sabiam o que era.
Chavela Vargas - La Llorona

Confesso, não sei como o fiz, que pude sentir algo, talvez um algo “chico” de aquilo ali. Um aperto no coração e um misto de raiva e tristeza. É como consigo traduzir o que me sucedeu. Naquele momento, trouxe o ar até ao abissal do pulmão e ele se espalhou, como lágrimas de um rio, por toda a alma, quiçá por todas de tanto que havia. Lembrei das ruínas que já fui (he sido todavía, en verdad) e das colonizações que sofri, e mesmo me permiti, ao longo desses quarenta anos. Me acordei também das catedrais que fi-las autoritariamente construir, destruindo talvez o que era sagrado para o outro. Quiçá até pedra já fui, ao sabor de outras mãos... E pedra também já fui: capaz de, reagrupando-me, me reconstruir e trazer formas novas à vida.
Emanuel (era o nome do guia) perguntou uma vez mais: alguém pode imaginar? Algum de vocês? Deu-se um silêncio de longos, longos segundos. De repente, um casal começou a falar, em um inglês alto, sobre uma fruta mexicana que haviam comido no café da manhã, fazendo algum tipo de elogio ao sabor e à combinação perfeita que fazia com iogurte. Mamey, eis o nome da delícia. Falavam com gosto. Bem, não pude deixar de viajar (porque é para isso que as viagens servem!) na ideia de que mamey era um grito por uma salvação materna, talvez, portuguesamente falando, um chamado ao seio e ao seu poder de acalmar as dores. Estava insuportável aquela atmosfera deixada por Emanuel. Ele não tinha piedade de nós e, como um deidade asteca do inframundo, estava distante do paraíso do céu!
Um dia, quando fez um frio polar na Cidade do México, fui ao mercado e comprei a delícia. A vendedora, senõra Margarita, me ensinou uma receita e quando cheguei em casa, preparei pacientemente a fruta, e me banqueteei.
Gracias, México, por todo. A lo mejor porque, mientras ha agarrado y ha calentado mi
alma, también le provocó una herida que trajo más consciencia y más sentimiento a la aventura que es existir.


Antônio Pereira Rabelo é Analista Junguiano em processo de formação (IJBsB), Psicólogo (UnB), Mestre em Psicologia Clínica e Cultura, com foco em Psicanálise e Processos de Subjetivação (UnB); Especialista em Planejamento, Implementação e Gestão de Educação a Distância (UFF); Especialista em Psicologia Clínica Junguiana (IJBsB); Professor, orientador e supervisor em Ciência e Clínica Psicológica; Escritor (participação em obras com temáticas ligadas à Psicologia Analítica e à Psicanálise); e Analista Judiciário no Supremo Tribunal Federal. Além disso, participou de vários congressos, sendo o mais recente o X Congreso Internacional y XV Nacional de Psicología Clínica (2017), em que apresentou, em simpósio, o tema “O processo de escrita como catalisador da individuação”.